Sento-me sempre do lado da janela no barco, mas não é que olhe lá para fora assim tanto quanto isso. Quando não estás, a contemplação traz consigo o terror das lágrimas. Que o mais difícil de suportar na tua ausência é o ter de guardar tudo para mim. Por isso hoje nem fiquei chateada pelo facto de metade das luzes da Ponte 25 de Abril estarem desligadas. Assim ao menos não há a tentação de sorrir, muito embora o sorriso nunca chegue a aparecer efectivamente. Apesar de ter posto o coração em stand-by enquanto espero por ti, a minha vida continuou quase como se nada fosse. Imagina um comboio - uma locomotiva que puxa um vagão, que vem sempre tão lá atrás que nem parece fazer parte do comboio. É aí que vive o meu coração. Dormente. A bater devagarinho... Para ver se nada muda demasiado durante este espaço de tempo em que não me queres ver. Nem mesmo o meu lugar à janela.
Era capaz de jurar que tinha tropeçado em ti quando entrei no metro, só pelo perfume. A quantidade exagerada fez-me rever a ilusão. A verdade é que há sempre qualquer coisa de ti no cheiro que invade Lisboa seja em que dia for. Porque já te cheirei em todas as estações do ano. E agora que o inverno tarda em acabar (já te disse que hoje, apesar da chuva, acordei com os passarinhos a cantar debaixo da minha janela?), apetece-me respirar-te enquanto me perco pela cidade. Quando chegar aquele aroma de verão transpirado, quero cheirar-te de novo.