Ficou espantada com o facto de nunca lhe ter ocorrido tal possibilidade: ver o luar a dez mil metros de altura. Algures no meio do Atlântico, o café fazia desmaiar as recordações do que ficara em terra. Entre as histórias das mais de duzentas pessoas (bem) arrumadas dentro do Boeing 747 onde seguia, estava também a sua. Ainda assim, e não obstante as sucessivas tentativas de abstracção, a curiosidade sobre as narrativas que dormiam ao seu lado era bem maior do que o desejo de escrever sobre si. Quantas páginas do passaporte teriam carimbado até chegarem ali? Até chegarem àquele preciso momento em que as nuvens de Março se transformaram em auto-estradas da sua aldeia global personalizada.
Por esta altura, acenderam-se as luzes de pânico - “Please, fasten your seat belt”.
Os fusos horários que rebolavam por entre os sete (sempre poucos) dias da semana de férias não a deixavam dormir. Ou talvez fosse a impaciência de quem sabe que ainda faltam (pelo menos) oito horas até ao destino final. Independentemente dos motivos, a premissa inicial mantinha-se: a paixão pelas narrativas alheias, como se a intimidade de cada um pudesse servir de retrato fugidio da humanidade. Perdão, da modernidade. Gostava das dicotomias instaladas pela chamada evolução. Tudo cada vez mais perto, mas inevitavelmente mais longe, pela fugacidade com que somos obrigados a olhar para o universo. Ambivalências socio-culturais que se vão tornando cada vez mais biológicas. Afinal, a natureza tem tendência a moldar-nos de acordo com as nossas necessidades. Ao que parece, é muito mais humana do que divina: fomenta a mudança ao invés da eternidade, que (quase) tudo o que é divino nos tem sido oferecido ao longos dos milénios que carregamos enquanto espécie.
O jantar já foi servido e a senhora do lado continua a ler um ebook qualquer no seu tablet. Tem sido assim desde que levantaram vôo. Ainda tem 43% de bateria. Pode ser que lhe chegue até ao fim da viagem. Pode ser que não. O alfabeto cirílico denuncia a eventualidade de ter de correr até ao outro lado do terminal assim que aterrarem. “Your luggage goes directly to your destination.” Do mal o menos, as escalas estão cada vez mais curtas. As vidas estão cada vez mais longas. E imprevisíveis. Hollywood agradece. As restantes Mecas das indústrias do entretenimento também.
Foto licenciada em Creative Commons por lokidude99 |
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