De repente, ficou a lembrança das sexta-feiras à noite no último quarto da casa. Ou das partidas no comboio da ponte rumo ao porto seguro de outros tempo. Não fazia ideia de quando tinha sido a última vez que tinha guardado o último dia útil da semana para si. Ouvir um disco, ler um livro, apagar a luz do quarto e ficar assim de estores levantados, a olhar para o lado de lá da janela. Ao longe, só se vêem as cortinas dos vizinhos. Neste pedaço de mundo, a vista não é desafogada e a vida também não. O jardim que espreita ali no fim da rua até tem relva que chegue para apanhar Sol, mas isso nunca deu para tirar a barriga da miséria.
O telefone está pousado em cima da cama, silencioso. O ritual constrói-se todo à espera da derradeira chamada. "Se fores seleccionada, ligamos-te à noite. Mesmo à noitinha, está atenta." Por esta altura, é quase meia-noite e os sonhos já não vivem por aqueles lados. Mas o telefone continua ali, de volume no máximo, para que, no caso de começar a tocar, se ouça por toda a casa. E num local fora do alcance dela, para que, no caso de começar a tocar, não se note que tudo o que estava a fazer nesse momento era estar à espera.
Do mal o menos, sempre deu para pintar as unhas nos intervalos da ansiedade. Mais uma semana sem roer a ponta dos dedos. Uma vitória nos tempos modernos, já que o nervosismo arruína sempre qualquer vontade de combater os vícios. Do mal o menos, roer as unhas ainda não dá direito a internamento em clínicas de reabilitação, mas pouco deve faltar. Pensando bem, talvez fosse um daquele males que chegam por bem. Resolvia metade dos seus problemas. Talvez um pouco mais do que isso, nunca se sabe. Dizem os mais sabidos que são 28 dias desligados da sociedade.
Quem lhe dera. Quem lhe dera...
Fotografia licenciada em Creative Commons por Anne Helmond |
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