sexta-feira, 23 de abril de 2010

Promessas

O Pai escolheu a música que se ouve hoje. Um senhor de voz grave recita fados de outros tempos, daqueles em que a juventude não era apenas uma palavra que ele gostava que lhe assentasse bem. Sabe que a Mãe se derrete com as palavras que ali se vão cantando, e com a guitarra portuguesa que serve para que os miúdos aprendam a amar a poesia. Ao fim de tantos anos, ainda há a vontade de a agradar, a vontade de a fazer sorrir e suspirar e de a saber feliz porque ainda estão juntos. A verdade é que, quando os filhos chegaram, também chegou o medo de que a vida se tornasse só dos mais novos, que o amor que sempre fora de um e de outro deixasse de existir pelo amor aos pequenos. Havia sempre uma certa dose de ingenuidade naquela construção familiar, que a Mãe nunca acreditava ser possível amar o mundo inteiro ao mesmo tempo, mesmo sabendo que era ela quem mais pessoas amava. E essa ingenuidade possessiva que lhe polvilhava os dias cultivava-se através da carência afectiva que a caracterizava e que toda a gente teimava em querer colmatar. Nunca se percebeu se era essa a atitude mais sensata de ser tomada, mas havia sempre uma necessidade de fazer com que ela se sentisse amada - incondicionalmente. Por isso é que era tão importante dar-lhe a mão a cada minuto que passava ao seu lado, que havia sempre aquela ideia de que um dia ele podia partir.
Ele nunca partiu. Prometeu que ia ficar com ela para sempre e queria cumprir a promessa. Fazia parte dos objectivos de vida, juntamente com a educação dos pequenos. Queria fazer parte daquela família perfeita que se tinha desfeito algures pelo caminho, construí-la de volta com as suas próprias mãos e partilhá-la com aquela pessoa, como convém. Encontrou-a nas férias, numa praia qualquer. E ela estava lá desde sempre, quase como se estivesse à espera que fossem suficientemente crescidos para se entregarem assim. No dia em que se tornaram realmente novidades na vida um do outro, não houve nada que mudasse realmente. O que os tornou tão apaixonados e eternos foi a rotina que foram edificando, de forma descontinuada, em contra-tempo, quase como se fosse reggae (ou jazz, que o único reggae que ela gosta é na verdade dub). Os chocolates, os bolos e os gelados que foram comendo ao longo dos anos, para que o açúcar se entranhasse na personalidade de cada um.

1 comentário:

Marta disse...

doce profundo