"De tanto me devotar ao meu ofício, escrevendo e reescrevendo, corrigindo e depurando textos, mimando cada palavra que punha no papel, não me sobravam boas palavras para ela."
in Budapeste, Chico Buarque de Hollanda
O romance que estava a ler não cheirava a bossa-nova. Na verdade, era uma espécie de crónica alargada sobre histórias de amor desafinadas pela falta de polimento. Afinal, os dramas cariocas viviam alinhados com os seus: vivia fascinada com as problemáticas das relações humanas. Obcecada com o amor e com a vontade de ter um par que a acompanhasse nas restantes danças da sua vida. Mas parecia que a sucessão ininterrupta de dias e noites trazia mais complicações que facilidade. Os nós que nunca se desatavam obrigavam-na a investir mais tempo naquilo, como se o tempo significasse qualidade. O trabalho espremia-lhe a vontade e a capacidade de execução de provas de romantismo exacerbado. As declarações fugiam-lhe entre os dedos, esgotadas pelos intermináveis textos que escrevia no horário de expediente. E nem sequer podia entregar-se escondida nos poemas dos outros, que ele não lia versos. Ainda assim, a ironia do destino parecia querer alinhar aquela existência conjunta. Na ausência prolongada que a jornada laboral ditou, ele disse-lhe que pensar em futuros hipotéticos a dois o desconcentrava. "Escreve-me", ouviu-se do outro lado do telefone. Não podia dizer que não. Por isso, foi comprar um dicionário, na esperança de encontrar todos os sinónimos da palavra amor.
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Fotografia licenciada em Creative Commons por babi mouton. |
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